quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A INCRÍVEL HISTÓRIA DA VISAGE “PADRE SEM CABEÇA” QUE USAVA CHAPÉU

Éramos um trio de moleques do centro de Abaeté. Vizinhos, eu, o Amiraldo e o Pedro Jorge (Rato do Esgoto), brincávamos e fazíamos nossas estripulias e aventuras como irmãos. Pira n’água, pescaria, espeta, “camonisilá”, peteca, pião, papagaio e curica, etc etc..Ah! Também havia porradas e muita sacanagem. Conhecíamos os quintais das quadra circunvizinhas que nenhum GPS podia ser mais preciso: as goiabeiras por seus frutos e pelo excelente material para nossas baladeiras, o abiu mais pela sacanagem de ficar pregando os beiços do que pelo sabor, o marmeleiro que não tinha gosto nenhum a não ser a o sabor de surripiá-lo sem permissão. Mas tinha um que, na época certa, era especial: o quintal do prédio do INPS que ficava na Barão do Rio Branco, quase em frente da livraria da Dona Edna. É que lá tinha um pé de abricó. E que pé...

No mês de outubro, se não engano, essa garbosa árvore florescia e, após, expunha a nós, muitos, mas muitos frutos mesmo...E como o abricó é gostoso...carnudo, com sua polpa indo do amarelo ao vermelho, o odor que desperta intensa salivação e até aquela dorzinha embaixo das orelhas de tão bom...e o gosto, então! O gosto doce e azedo é indescritível....

O quintal do INPS com o abricoteiro carregado de frutos era o objeto de todos os nossos desejos.

Entretanto, entre nossos desejos e o seu objeto existia um obstáculo cruel: “Seu” Paulo Piraíba, o guarda do INPS, que teimava em vigiar o abricoteiro muito mais que o prédio. Não sei até hoje porque ele tinha esse comportamento, pois o abricoteiro era do Governo Federal que se dizia do povo e para o povo e nós éramos povo, moleques mas filhos do povo. Nós tínhamos direito natural e constitucional aos abricós. Mas o “Seu” Paulo Piraíba parecia seguir ordens dos ditadores de plantão e não respeitava os direitos do povo, nossos direitos legítimos aos abricós.

Ocorre que a dialética prevê que o novo sobrepõe o velho em algum momento, dadas as condições objetivas e subjetivas para tanto. E assim aconteceu. O cansaço dominou o corpo e a mente do guarda do INPS diante do vigor espiritual e físico de seus oponentes, na flor da idade. Era difícil controlar três endiabrados moleques que pareciam se multiplicar por dez quando queriam tomar de assalto a frondosa árvore de abricós.

“Seu” Paulo Piraiba, inteligentemente, inventou uma história que o quintal era assombrado por uma visage: o “padre sem cabeça”. Este teria sido um sacerdote do interior que, necessitando de cuidados médicos foi ao INPS e, como é de conhecimento público, não foi atendido. Tinha uma terrível dor de cabeça, insuportável até para um representante de Deus. Com a falta de atendimento, sua cabeça teria explodido enquanto estava na fila aguardando uma senha para ser atendido pelo porteiro do INPS. Assim, sua alma estava vagando pelo INPS, sem a cabeça explodida.
Lógico que a história da visage do “padre sem cabeça” fez nosso trio paralisar as atividades de tomar nossos direitos aos abricós à força. Quase uma semana sem chegar perto do INPS.

Mas a vida era insuportável sem os abricós que pendiam no terreno assombrado.

Reunimos-nos e decidimos na porrinha quem seria o “corajoso” a ir à frente para emprestar alguns abricós. O azar recaiu sobre Amiraldo.

Fomos os três para a frente do INPS. Eu e Pedro Jorge ficaríamos na calçada e Amiraldo entraria no quintal. Se nada acontecesse, assoviaria para entrarmos.

Pois bem, Amiraldo entrou e saiu. Parece que saiu antes mesmo de entrar tamanha foi a velocidade desse fato. E saiu branco, cabelos arrepiados e gaguejando.

Afastamo-nos do local para ouvir o que tinha acontecido. Amiraldo gritou:

- Eu vi o “padre sem cabeça”....e ele usava um chapéu preto imenso....


Pedro Jorge questionou na lata:

- Mas se ele é “sem cabeça”, como usa chapéu???

Amiraldo retrucou na mesma velocidade:

- Então entra lá pra ver se não é verdade!!!

E o “padre sem cabeça” até hoje deve estar usando chapéu porque eu e Pedro Jorge não ousamos duvidar das leis do outro mundo e porque o Amiraldo devia entender de visagem mais que nós....



Cuiabá, 15 de novembro de 2008



Clóvis Figueiredo Cardoso