quarta-feira, 25 de julho de 2007

PÁSSARO DA TERRA

Para matar as saudades, ouvi ontem, novamente, o CD com as músicas de Waldemar Henrique, arranjos e interpretação de Salomão Habib e, logicamente, com as letras de João de Jesus Paes Loureiro. Esse CD acompanha o livro "Pássaro da Terra" editado em 1999 pela editora Escrituras.
Para mim, cada vez que escuto as músicas da peça, experimento uma sensação diferente. Ora lembranças dos cordões de pássaro da Nina Abreu, ora a as maresias da montaria atravessando da "Bêra" para a ilha de Sirituba. Às vezes aparece arrependimento pelos momentos que lançava desprezo sobre os cidadãos abaetetubenses que mantinham viva a nossa fantástica cultura. É que, na época, por exemplo, achincalhava, como outros tantos jovens, com o conjunto "Os Muiraquitãs" que cantava as nossas singulares realidades. Preferíamos o Rock que era "quente". Apesar disso, pego-me cantando de quando em vez, aquelas músicas que pertenciam à nós.
"Ti, Ti, Ti, Ti, Abre Caminho que eu quero passar,
Ti, Ti, Ti, Ti, Abre Caminho que eu quero passar,
Sou Carregador da Bera, Meu Carrinho é de Mão,
Eu Trabalho lá na Feira com a maior Satisfação"
Essas e outras melodias são recorrentes nas minhas divagações.
Pois é. Esse CD do "Pássaro da Terra" cava fundo o Círio da Conceição, as frutas amazônicas espalhadas pelo chão, os peixes saindo dos barcos na confusão das madrugadas, os porres de cachaça Alvorada, Amazônia, Papagaio, ou qualquer outra armazenada em "frasqueiras" de vidro e retiradas em cuias para encher garrafas de "quartirimeio". O "chou" que ecoava uníssono de todas as pessoas para sacanear alguém que cometesse qualquer deslize em publico, as figuras de "Seu Ramos", Dona Maria do Tacacá, Terêncio porre discursando, o "Malária" respondendo com um vozeirão inigulável ao meu cumprimento, a "Perema" no Mercado de carne gritando todos palavrões existentes contra quam a chamasse pelo apelido. Muita Coisa evoca Abaetetuba, que penso ser um lugar mágico e imaginário, como Avalon para os ingleses.
Peço desculpas ao nosso poeta Paes Loureiro, mas ousei disponibilizar o CD para quem quiser experimentar isso que relato. Você pode ouvir as músicas baixando o arquivo em MP3 clicando no link http://www.mediafire.com/?6zwz10igl0o .
Recomendo em especial o "Lundu dos Caboclos", na faixa 5, onde é citada a marvada de Abaeté.
Para não ferir quaisquer direitos autorais, baixe o arquivo, ouça as músicas e delete em seguida. A comercialização ou qualquer exibição é crime. Apenas ouví-las é um dever e um direito de qualquer cidadão.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Lenda do fantasma que existia em Abaetetuba


"Até os anos 60 e 70, acreditava-se existir circulando pelas ruas da cidade, das onze e meia a meia-noite, um fantasma, sempre vindo do fim da rua D. Pedro II para a beira (feira). Pelo número dos fatos ocorridos, o fantasma se tornou lendário em nosso meio e visto por várias pessoas.
Era um estranho sujeito, da altura do poste de iluminação, muito seco, usando calça preta e camisa muito branca e feia que esvoaçava ao vento. Seu andar parecia o jogo de um fado português, som de tamancos ritmados, dando a impressão de soar de um peleque e tum, tum, tum. Nas noites de luar, mesmo quem não via, acordava a essa hora ouvindo-lhe passar.
Sua constância maior era na rua D. Pedro II e Pedro Rodri­gues. Ao vê-lo, a pessoa ficava estática e estarrecida, pregava ao solo, sem poder mover-se, até o fantasma se perder na distância.
Por vezes era visto cobrindo toda a extensão da rua, como um grande lençol esvoaçante, ou em forma de animal muito branco, que de pequeno crescia até se tornar aquela coisa enorme e apavorante.
Assim era Abaetetuba, simples, meiga, e cheia de mistérios e lendas fantásticas contadas por nossos anciões como verdades ocorridas." (extraído do indispensável livro "ECOS DA TERRA" da autora Maria de Nazaré Carvalho Lobato, editado pela Secretaria de Estado da Cultura em 1993.)
A leitura dessa obra nos transporta à Abaetetuba de qualquer lugar do mundo.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

OS SEGREDOS DE ABAETÉ


Com seu inventário de nomes, lugares, palavras, Celso de Alencar estabelece seu mundo poético. Abaeté não é uma lagoa escura, como diz Caymmi, mas o reino onde se encontram os que sonham. "Abaeté fascina e cativa porque entre o chão e as nuvens estão os espíritos". Ë o reino do imponderável, em que a imaginação do poeta flutua, devolvendo as impressões, acumuladas durante os anos da existência. Ë o vago cemitério marinho que sutilmente aflora "Grande mer de delires douée/peau de panthère et chlamy-de trouée/ de mille et mille idoles du soleil/ hydre absolue/ ivre de ta chair bleue,/ qui te remords/ l’étincelante queue/ dans un tumulte au silence pareil." — em que nos arrebata o genial Paul Valéry.

O fabulário funda-se no inconsciente, criando mitos sobre personagens e lugares, provavelmente reais. Assim os reis de Abaeté, quer sejam reis, quer seja Abaeté, o referencial se liga à realidade. Ë um mundo que Celso criou na sua fantasia e que convive com outras alusões extraídas do real; lugares como: — a loja do Matias, o bar do João Marques, a vala da rua Tucumanduba, Breves e Santarém; cenas da vida quotidiana: - Olga, a filha mais nova do Coletor, padece pelo amor de Justino; Apoio esbravejando com a calça mijada; Esmeralda, Jovina e Nelma; Torquato noticiará os 17 anos de Clotilde; rameira-mãe do Paturi; o riso do Mariano.

Com os mitos, nomes, lugares e alusões extraídas do subconsciente e da realidade constrói o mistério, não se sabendo o que trata de verdade e o que de fantasia, como "Caixas com garrafas de uísques/, vinhos, licores/ os mais finos foram/ trazidas./ O Santa Margarida/ atracou no trapiche do Mercado de Peixe”. Outro: "se estivesse lá/ terias apreciado os perfumes e as sedas/ de Paramaribo e Caiena", e ainda "Talvez não saibas/ que os barcos não colidiram / e que os netos de Mestre Ambrósio/ malgrado o forte vento e a forte chuva/ descansam no cais”.
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O enunciado é bíblico, tom cerimonioso de sermão. É a palavra do pregador, premonitória das possíveis incertezas na vida e as quebras do procedimento, acarretando a perda da recompensa.

"Trinta rios em quarenta e cinco noites."

Todo o mistério, o medo, a incerteza, carregando o castigo ou a recompensa. A expectativa da chegada. "Nos porões trouxeram carne/ de tingas e açus". "Na beirada do porto e do canal/ os moleques e os urubus/ alinharam-se e espreitaram a / descarga".

"Aqui nada é/ puro./ O confessionário, o coreto/ as fïlhas-de--maria,/ nem a batina do/ padre./ Os segredos de/ Abaete/ são se­gredos teus também."

Tom bíblico, mas não profético. A exposição grandiosa dos acontecimentos e suas conseqüências na vida das pessoas e na alma do poeta. É como diz Whitman: "Great are the Miths - I too delight in them,/ Great the risen and fallen nations, and their poets, women,/ sages, inventors, rules, warriors, and priests."

Diz o poeta: "Eu te digo/ a barreira de pedra/ não vencerá as águas/ grandes./ contra o tempo não há/ luta./ contra o tempo nenhuma arma é/ capaz." Diz ainda o poeta: — "Tu que foste/ escrava do rio, da tina,/ do assoalho e das/ paredes/ eu te pergunto: onde está a alegria/ que tinhas na casa de teus/ pais? "

Depois a messe, a criação e abundância, como a oferecer e a negar o prêmio do homem. "Acaso tens o pavão/ as marrecas, o matamatá no teu/ quintal? Onde está a fertilidade? / o arroz/ o milho/ o feijão." Ë o manjar dos deuses, a natureza concedendo ao homem a fruição do mundo, mas o próprio homem controlando, negando e sonegando. Por isso: "mostraremos as esquinas/ as ruas sem iluminação/ as ameixeiras, os açaizeiros/ os talhos vazios./ Não negaremos a fome/ a pobreza/ o rastro de Jeremias/ a morte de nossos cães."/ O bem e o mal serão expostos, para o julgamento. "Não sufocaremos nossos/ fantasmas". A grande realidade do mundo: "A cidade existe! / É cinza/ como o inverno e as chuvas."

Celso já publicou outros livros: Tentações; Salve Salve; Arco Vermelho. Levantou alguns prêmios no concurso de poesia falada promovido pela Revista Escrita, onde pode nos privilegiar com excelentes interpretações entre as quais destaco: - O ANJO "A argila fez-te belo./ - Ó pequeno anjo barroco./ Teu corpo fino como/ escumilha/ realça-te como obra de arte./ Canta a vida/ ó nobre divindade./ Esparrama no espaço/ a beleza esmerada/ contida no teu corpo./ Mostra a tua força inilidível / e conquista/ (com as armas que ostentas)/ o mundo."

Celso de Alencar é um poeta de grande inspiração, uma poesia que se pode classificar como "work in progress". A metáfora fácil em contínuo no texto, como espetáculo, explode em "fireworks", música de Handel para os Reais Fogos de Artifício, na terra fascinante dos segredos do reino de Abaeté.

J.B. Sayeg]
(Prefácio ao livro de poesias "OS REIS DE ABAETÉ" / Celso Alencar-1ª ed. - São Paulo:João Scortecci Editor, 1987)

domingo, 8 de julho de 2007

DICIONÁRIO PAPACHIBÉ


Este-um – Outra expressão legitimamente nossa, bem paraense, usada à larga pelo povo interiorano.
EXEMPLO – O capiau veio pra capital passar o Círio. Ia atravessando a Presidente Vargas com sua fubiquinha quando – crec! – acertou na traseira do Corolla dum filhinho-de-papai. O garotão desceu do carro, já querendo briga. O capiau tentou acalmá-lo.
- Não esquenta aí seu moço. Num sabe que conversando a gente se entende? Pêra lá.
O capiau foi na fubiquinha dele, apanhou uma garrafa, tirou a rolha e voltou:
- Seu moço, experimente um gole dessa. É lá de ABAETETUBA e ESTE-UM aqui, pode “agarantir” que depois de provar dessa caninha, a gente “vamo” bater um papo numa boa.
O garotão topou a sugestão, provou, gostou e foi virando o gargalo da garrafa mesmo. Lá pela quarta ou quinta dose o capiau virou-se pro filhinho-de-papai e anunciou:
- O moço ta carmo agora, né? Antão vamo chamar a poliça pra fazer o tal de teste de bafômetro, tá?

(extraído de Sobral, Raymundo Mário, in DICIONÁRIO PAPACHIBÉ - A LÍNGUA PARAENSE, VOL. II, , Belém, SECULT-PARÁ, 1998, p.99/100)